No dia 8 de abril de 2023, fecham-se três meses do ataque no qual milhares de golpistas invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília, e vandalizaram as suas áreas internas. Entre vidraças e equipamentos quebrados, pichações e furtos de obras de arte, o atentado direto à democracia trouxe à memória o golpe de 1964. Se, por um lado, a tentativa de abolir o Estado democrático de direito foi frustrada no 8 de janeiro, por outro, a democracia foi atacada institucionalmente e continuará ameaçada enquanto direitos fundamentais não forem garantidos para todos.
O Brasil está entre os 10 países com maior aumento do autoritarismo durante o regime democrático, revela a pesquisa “V-Dem report 2021”, realizada pelo Instituto Varieties of Democracy. O relatório classifica o país como uma democracia eleitoral, ou seja, um regime que realiza eleições livres, porém apresenta deficiências em outros aspectos democráticos como direitos civis, liberdade de imprensa e proteção às minorias. Já o Democracy Index 2022, produzido pela revista The Economist, reduziu a nota de qualidade para democracia brasileira ao menor índice da série histórica iniciada em 2006. O relatório dedica meio capítulo à polarização das eleições presidenciais realizadas no fim do ano passado e aos ataque/ atentados golpistasque não aceitaram o resultado das urnas,que deu a vitória à Luiz Inácio Lula da Silva.
“Democracia pressupõe igualdade e participação, valores subversivos em uma sociedade que se esforça pela manutenção das desigualdades e privilégios”, afirma Átila Roque, diretor regional da Fundação Ford e conselheiro do GIFE. “A luta por acesso a direitos vai na contracorrente do que é a marca da tradição do Brasil. Este país foi construído a partir da exclusão, da escravidão, e manteve – pelo racismo – populações à margem. Por isso é tão importante o convite que se faz ao setor privado brasileiro, aos filantropos, às fundações Um convite a serem disruptivos em relação ao próprio lugar de privilégio.”
Átila Roque estará na plenária Democracia em risco e o papel da Sociedade Civil, que acontecerá durante o 12º Congresso GIFE. A mesa conclama as principais lideranças do terceiro setor, dirigentes de organizações da sociedade civil, acadêmicos, consultores e representantes de governos a fim de qualificar e articular o investimento social privados em defesa da democracia.
A plenária Democracia em risco e o papel da Sociedade Civil acontecerá na quarta-feira, dia 12 de abril, às 11:30. Além do diretor regional da Fundação Ford, Átila Roque, estarão presentes o professor de Direito da USP e Pesquisador LAUT, Conrado Hübner Mendes; a Presidente do Conselho Curador da Fundação Tide Setubal, Neca Setubal; e o diretor global de pesquisas da More in Common, Stephen Hawkins.
Desigualdade no acesso a direitos
Apesar de a Constituição de 1988 garantir cidadania plena, como o direito à vida, à igualdade, à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho e à moradia, a democratização desses direitos ainda é falha com as populações mais vulneráveis. A insegurança alimentar retrata esta realidade. Em 2022, 15% da população (33,1 milhões de pessoas) estiveram em situação de fome, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Pensan). Outros 92,1 milhões de pessoas (43,2% da população) não tiveram o direito à alimentação assegurado.
E as populações com mais direitos ameaçados ou cerceados são conhecidas: mulheres, negros e pobres estão mais suscetíveis a violações de direitos no país. Segundo o Atlas da Violência 2021 – produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicadas (IPEA) em parceira com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública – negros representaram 77% das vítimas de homicídios no Brasil em 2019. Entre jovens de 15 a 29 anos, a taxa de homicídios para os negros foi cerca de três vezes maior do que a de não negros. Além disso, cerca de 18,6 milhões de mulheres brasileiras foram vítimas de violência em 2022, relatando, em média, quatro agressões ao longo do ano. Quando se trata do direito à moradia, cerca de 280 mil pessoas vivem em situação de rua no Brasil, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
E isso afeta nossa democracia? Sim, explica o professor Larry Diamond, da escola de Ciência Política de Stanford, autor do artigo A qualidade da democracia. “Quanto mais você tem desigualdade econômica, mais você ruma à desigualdade política e é por isso que a desigualdade representa um problema para a democracia (…) E não apenas em termos econômicos, mas em termos de gênero, identidade e assim por diante. A questão é sobre o que acontece com a qualidade da democracia quando você tem desigualdades grosseiras em qualquer uma dessas dimensões em termos econômicos, entre regiões de um país, entre grupos étnicos ou de identidade.”
Sociedade civil e democracia
Há décadas, organizações da sociedade civil vêm ocupando as brechas de territórios que o Estado não consegue alcançar, especialmente para garantir direitos nas áreas de saúde e educação. Segundo o Censo do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), mais de R$5 bilhões em recursos privados foram destinados a projetos de interesse público em 2020.
Apesar do alto valor, o Investimento Social Privado não pode – e nem deve – o Estado, mas tem a responsabilidade de qualificar a democracia ao promover ações de médio e longo prazo que contribuam para diminuir as grandes desigualdades estruturais no Brasil. Especialmente as que afetam parcelas mais vulneráveis da população, como mulheres, negros, povos originários e pessoas LGBTQIA+.
Democracia em debate
A defesa da democracia é um dos temas do 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades. O evento acontece entre os dias 12 e 14 de abril no Memorial da América Latina, em São Paulo. Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a edição de 2023 também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.
Se este tema te interessou, você também deve dar uma olhada na plenária Desafiando estruturas de desigualdades.
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