Uma nova dinâmica de confiança é necessária para fortalecer a relação de quem doa e recebe
Adotado por organizações em nível global, o grantmaking é uma estratégia de atuação do investimento social privado que consiste no repasse de recursos financeiros – de forma estruturada – para organizações ou iniciativas do interesse público. No entanto, nem toda doação dessa natureza necessariamente contribui para a redução de desigualdades, e a prática ainda enfrenta diversos desafios no Brasil.
Para debater o tema, Raull Santiago, fundador da Iniciava PIPA e Faísca Incentivos Plurais, foi o mediador da mesa “Quando o grantmaking contribui (ou não) para superar desigualdades?”, realizada na manhã do segundo dia do 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades. Ele recebeu os convidados Carola Matarazzo, diretora executiva no Movimento Bem Maior; Diane Pereira Sousa; presidenta do Instituto da Baixada; Fábio Tran – venture partner na Imaginable Futures e Rodrigo Pipponzi; presidente do conselho do Grupo MOL e Instituto ACP.
Em destaque
>> O grantmaking deve gerar modelos que possam ser testados antes de se tornarem políticas públicas.
>> A falta de cultura de doação no país é um dos desafios, e isso se deve ao baixo índice de confiança nas instituições.
>> Abrir mão do protagonismo de poder e responsabilidade por parte do doador é essencial para que o recurso seja aplicado da melhor forma por quem recebe.
>> Criar uma nova consciência aos detentores de capital parte de instigar a indignação e o desconforto. Isso só acontece por meio de escuta ativa e diálogo.
Potencializar o investimento social privado com o fomento a projetos já existentes contribui para destinar recursos de forma mais justa entre diferentes regiões do país. Na opinião de Carola Matarazzo, o grantmaking tem como objetivo a construção de um novo pacto social, podendo gerar modelos que possam ser testados antes de se tornarem políticas públicas. “O recurso filantrópico pode abrir os olhos, alavancar iniciativas. É uma forma de fortalecimento da sociedade civil e da democracia”, afirmou.
Quando se fala em estratégias eficientes de grantmaking é fundamental observar fatores ligados a como se doa e o que se produz a partir dessa doação, de modo a identificar se as dificuldades de fato são superadas ou se pode haver o reforço de estruturas que as perpetuam. Levantado por Rodrigo Pipponzi, o aspecto da descentralização de poder é fundamental. “A ausência de protagonismo de quem doa o recurso financeiro é um ponto de partida. Não é só transferência de recurso financeiro, mas de poder, privilégios e responsabilidades”, explicou. Para que essa descentralização ocorra, escuta ativa por parte de quem doa, confiança efetiva e troca real de aprendizado são essenciais.
Como a mentalidade da filantropia pode evoluir?
Admitir o pouco conhecimento a respeito das desigualdades sociais no Brasil é um ponto de partida, na opinião do mediador Raull Santiago. “Temos de falar sobre esses não-saberes – eu não sei, não conheço, não vivi – para podermos pensar em algo que realmente construa. Além disso, lembramos que se trata de transformar a sociedade de um país que está atrás há muito tempo. É preciso abrir essas estruturas para semear mudanças reais.”
Um ponto levantado por Diane Pereira Sousa foi em relação à dinâmica entre doadores e recebedores, que deve ser questionada. “É necessário haver o decréscimo na estrutura de poder – de quem decide – para que alguém cresça em outro lugar.”, diz. A presidenta do Instituto da Baixada pontuou também sua opinião a respeito da expressão da forma como se fala do assunto. “Para quem não vive a situação, o certo é dizer ‘acabar’ a desigualdade. E não reduzir”, explicou.
Na opinião de Fábio Tran, aspectos históricos devem ser considerados na evolução das práticas de grantmaking, como a questão racial. “Quantas organizações lideradas por pessoas negras e indígenas recebem doações? Olhando para dentro da empresa, quem são as pessoas que doam? Não podemos ter apenas pessoas brancas decidindo para onde vão os recursos.”
Para Carola Matarazzo, é possível ir além na busca da ampliação de consciência dos detentores de capital. “Temos de olhar para o passado, rever as premissas de formação das riquezas e entender os contextos em que foram feitas. Isso não está escrito em nenhum lugar”, sugere. Segundo Carola Matarazzo, instigar a indignação e o desconforto por meio da conversa é uma forma de ampliar a compreensão da realidade que vivemos. “É uma ponte difícil de fazer, precisamos ter coragem”, disse.
De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade.
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Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.