A filantropia e a academia precisam se aproximar mais das periferias

Universidades e organizações de investimento social privado devem chegar a novos territórios para promover a redução das desigualdades no Brasil

Um terço dos brasileiros estão abaixo da linha de pobreza, e tanto universidades quanto institutos de pesquisa já têm mapeado os problemas estruturais que afligem essa parcela da população. Da mesma maneira, o ecossistema de organizações de investimento social privado (ISP) dispõe dos recursos e capacidade de interação para acelerar a transformação dessa realidade. Mesmo assim, a criação de mais iniciativas com real impacto ainda são um desafio. 

O painel “Conhecimento: Observatório do Investimento Social”, apresentado no 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades, teve como objetivo abordar a produção de conhecimento e a filantropia, juntas, podem ser mais eficientes na redução das desigualdades no Brasil.

Participaram do debate Carolina Martinez, diretora-geral na Stanford Social Innovation Review Brasil; Gelson Henrique,  coordenador executivo na Iniciativa PIPA; 

Marcio Black, coordenador de Projetos no Instituto Peregum; Marcos Paulo Lucca Silveira, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Filantropia da Fundação José Luiz Egydio Setubal (FJLES); e Paula Fabiani,  CEO no IDIS, com a moderação de Cássio Aoqui – sócio-fundador da ponteAponte.

Em destaque:

> A produção acadêmica deve ser orientada para ações de enfrentamento às desigualdades.

> Evidências científicas podem ser usadas para provocar transformações sociais e equacionar ações efetivas.

> O investimento social privado tem papel central na reparação de disparidades históricas.

 

“Podemos produzir conhecimento apenas para a manutenção do status quo e podemos produzir conhecimento para enfrentar os problemas sociais”, provocou Cássio Aoqui, sócio-fundador da ponteAponte. Para ele, é preciso compreender tanto os interesses que embasam a produção de conhecimento quanto o intuito das doações.

Por exemplo, a Pesquisa Doação Brasil, realizada pelo IDIS, mostra que as famílias de menor renda (até 2 salários mínimos) reduziram as doações para organizações socioambientais entre 2015 e 2020. Por outro lado, houve um aumento entre as famílias com mais alta renda (6 a 8 salários mínimos e acima de 8 salários mínimos). A pesquisa atribui esses dados à prolongada crise social e econômica enfrentada no Brasil. 

Ou seja, mesmo em meio à crise da pandemia, famílias de maior renda passaram a doar mais. Isso significa que o problema não é a ausência de recursos, mas sim a falta de direcionamento para que as doações possam gerar um legado persistente. 

Portanto, é preciso entender como a ciência pode nortear as transformações das desigualdades estruturais. Dados e evidências devem servir de base para o planejamento estratégico – seja no desenvolvimento de políticas públicas ou na orientação das ações filantrópicas – porque são eles que apontam as raízes dos problemas sociais, e também as melhores formas de solucioná-los. Paula Fabiani, CEO do IDIS, pontuou que todo conhecimento produzido pela academia deve ser orientado para enfrentar a injustiça social: “É preciso produzir dados para tomar melhores decisões”, afirmou. “Numa sociedade tão injusta e tão desigual como a nossa, boas intenções não asseguram mudanças positivas”, completou Marcos Paulo Lucca Silveira, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Filantropia da FJLES (Fundação José Luiz Egydio Setúbal).

Sempre que se fala em construir uma sociedade menos desigual, é preciso considerar a necessidade constante de letramento da população visando a desconstrução da lógica de injustiça. Para isso, se faz necessária a ressignificação de uma série de estereótipos que foram perpetuados ao longo do tempo. Nesse sentido, Gelson Henrique, coordenador executivo na Iniciativa PIPA, questionou: “É necessário repensar como a filantropia e o ISP estão atuando. Será que, muitas vezes, não estão reforçando desigualdades?”.

“O conhecimento está chegando a quem precisa?”

A realidade da periferia, a produção acadêmica e as iniciativas filantrópicas devem estar conectadas. Para isso, é preciso que a linguagem utilizada – principalmente no que se refere à ciência – seja acessível e democrática. Carolina Martinez, diretora-geral na Stanford Social Innovation Review Brasil, propôs o fomento a um tipo de comunicação que possa fazer o elo entre os diversos atores que existem no universo do investimento social: “Temos o papel de disseminar conhecimento sobre o que pode ser feito com as informações científicas.”

E, da mesma forma que não se pode ignorar dados e análises acadêmicas, é impossível discutir os problemas sociais do Brasil sem pensar em racialidade. Para Márcio Black, coordenador de projetos no Instituto Peregum, a função da filantropia e do investimento social privado é, primordialmente, a reparação histórica: “Se estamos falando de mudar estruturas, precisamos saber que o único caminho é ser radical tendo senso de urgência. O conhecimento que nós produzimos está chegando a quem precisa?”.

 

De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade. 

Se este tema te interessou, clique aqui e confira a cobertura completa do evento.

Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.

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