Filme do diretor Alex Spritz premiado no Festival de Sundance em 2022 exibe a vida do povo Uru-Eu-Wau-Wau e denuncia invasões nas terras originárias na Amazônia por madeireiros e grileiros
Através das lentes do documentário O Território, a luta do povo indígena Uru-Eu-Wau-Wau fechou o primeiro dia do 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades. O filme foi exibido no auditório principal do Memorial da América Latina, onde acontece o encontro até o dia 14 de abril. A atividade cultural contou com falas de Gabriel Uchida e José Neto, ambos produtores da obra, e Virgílio Viana, superintendente geral da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), sobre a questão indígena no país.
Dirigido por Alex Pritz e produzido pelo cineasta Darren Aronofsky, a obra foi premiada no Festival de Sundance em 2022 – principal mostra de cinema independente do mundo – com o prêmio do público e o prêmio especial do júri. O filme, também indicado ao Emmy, exibe a vida do povo da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, sua ligação com a floresta, mas principalmente o desafio de viver num lugar ameaçado pela devastação ilegal dos recursos naturais da Amazônia.
A partir da perspectiva de Bitaté, jovem liderança dos Uru-Eu-Wau-Wau, e da indigenista Ivaneide Bandeira, o documentário denuncia as invasões no território por madeireiros e grileiros e como os povos originários tentam se proteger diante da ausência do poder público. O longa, além de retratar, foi parcialmente filmado e coproduzido pelos próprios Uru-Eu-Wau-Wau, que pegaram a câmera e registraram durante três anos as agressões sofridas pelo seu povo.
José Neto, produtor da obra, afirmou, durante o evento, que o filme teve um efeito positivo para a autoestima do povo retratado e inspirou outros indígenas a procurarem um lugar na arte. “Nas exibições, a gente viu indígenas se interessando e produzindo filmes como O Território. Isso é importante, pois obras assim levam as pessoas para a realidade da Amazônia com perspectivas de quem está lá”. Virgilio Viana acrescentou que “para proteger o bioma amazônico, a gente precisa não só tocar o lado do cérebro que cuida da razão, mas também o responsável pela emoção; é isso que esse filme faz.”
Os Uru-Eu-Wau-Wau
O filme intercala cenas da relação de Bitaté Uru-Eu-Wau-Wau com a floresta, o trabalho de Ivoneide Bandeira para proteger os povos com imagens de queimadas e desmatamento. Em certa altura do filme, a indigenista conversa com Ari Uru-Eu-Wau-Wau, guardião do povo contra as invasões, pedindo que ele tomasse cuidado ao fazer uma patrulha. Em abril de 2020, Ari Uru-Eu-Wau-Wau foi encontrado morto após sofrer uma hemorragia em decorrência de uma lesão no pescoço.
A história de Ari é uma continuação do que acontece com o povo desde os primeiros contatos com os não-indígenas. Os Uru-Eu-Wau-Wau, que se autodenominam Jupaú, eram um povo isolado até o início dos anos 80 quando o avanço exploratório chegou a sua terra, no interior do estado de Rondônia. Durante a década, eles sofreram seguidas invasões de madeireiros, seringalistas e camponeses em busca de terras e recursos.
Após o contato, o povo sofreu um grande decréscimo populacional. Segundo a Funai e a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, a população passou de 250 pessoas em 1981 para 89 num intervalo de quase 15 anos. Essa redução de quase ⅔ aconteceu principalmente por conflitos com invasores e doenças por contato indevido, em especial infecções respiratórias.
Após 1993, o povo experimentou uma retomada do crescimento de sua população, em parte por causa do aumento da fiscalização e também da demarcação da Terra Indígena. Os dados mais recentes do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena, de 2014, registraram que existem cerca de 120 indígenas do povo. No filme, lançado em setembro de 2022, o líder Bitaté relata que hoje existem cerca de 180 Uru-Eu-Wau-Wau vivendo na Amazônia.
A questão indígena no Brasil
Durante a atividade, o produtor do filme Gabriel Uchida relatou que, após cobrir conflitos ao redor do mundo, percebeu que existiam guerras no próprio país. “Foi em 2016 que eu percebi que confrontos que eu cobria fora do país eram muito parecidos com que acontece com os Uru-Eu-Wau-Wau e, mais recentemente, com os Yanomami”, afirma. Os exemplos de povos ameaçados se estendem além dos citados pelo jornalista. Segundo o relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil, que é uma publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 176 indígenas foram assassinados no país em 2021. O número seguiu a tendência do ano anterior, quando 182 foram mortos de forma violenta.
Quando se somam assassinatos a outras formas de violência – ameaças, lesões, violência sexual, tentativa de homicídio – o número de crimes contra povos originários sobe para 355, 51 a mais do registrado em 2021. Ainda segundo o mesmo o mesmo relatório do Cimi, o país registrou 305 casos de invasão, exploração ilegal e danos a 226 terras indígenas. Foi o maior número já registrado pelo Conselho.
Para o superintende-geral da FAS e conselheiro do GIFE, a questão indígena é complexa, especialmente na Amazônia. “De um lado temos a insipiência de recursos para fiscalização, do outro você tem a complexa situação social dos invasores, que são pobres em busca de terras. Porém, eu vejo uma oportunidade a partir da mudança de narrativa do poder público, que tem como desafio fazer o discurso chegar na ponta”, conclui.
Mudanças em debate
De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade.
Se este tema te interessou, clique aqui e confira a cobertura completa do evento.
Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.