Quatro perguntas sobre equidade no Investimento Social Privado

Organizações do investimento social privado e da filantropia  têm de olhar para dentro e tratar equidade de raça e gênero como questão estratégica

Para construir uma sociedade mais justa e equânime, as organizações do Investimento Social Privado (ISP) precisam se olhar no espelho e fazer algumas perguntas difíceis, mas que devem ser respondidas com sinceridade. “Na minha empresa eu vejo pessoas parecidas comigo? Qual a cor do time de campo? A cor muda do time de campo para o time administrativo? Será que eu sou racista?”. Essa lista foi criada por Keilla Martins, coordenadora no programa Respeito Dá o Tom, da Aegea Saneamento. Ela foi uma das palestrantes da mesa Enfrentando as Desigualdades nas Organizações do Investimento Social, que aconteceu no dia 12 de abril no 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – e que tinha como objetivo debater os desafios culturais e práticos que têm sido enfrentados pelo ISP.

Conduzido pela atual líder de Recursos Humanos para a América Latina da Meta, Mafoane Odara, o encontrou contou com a presença de representantes de empresas, organizações  e consultorias especializadas. Também participaram como palestrantes Andre Degenszajn, presidente no Instituto Ibirapitanga; Camila Asano, diretora executiva na Conectas Direitos Humanos; e Daniel Bento Teixeira, diretor executivo na CEERT Equidade Racial e de Gênero. 

Em destaque:

  • O debate da diversidade racial deve migrar do plano transversal para o estratégico.

  • A contratação de consultorias especializadas em diversidade e inclusão é altamente recomendável.

  • Quando elevada aos valores da marca, a luta antirracista pode ser exigida em todos os níveis da empresa.

  • É preciso avaliar a situação interna da companhia com honestidade, questionando: “eu sou racista?”

  • Diversidade deve ser vista como uma oportunidade de evolução para a empresa, e não uma meta a ser cumprida.

 

Keilla Martins contou que, no processo de criação do programa Respeito Dá o Tom da Aegea Saneamento, a empresa precisou passar por estas duras perguntas, em um processo de amadurecimento interno. “Primeiro tivemos de reconhecer que não havia diversidade racial na empresa”. Ela relata a adoção de mais uma boa prática, que é a contratação de uma consultoria especializada no tema. Com isso, o programa, que completa seis anos, também passou a debater sobre gênero. 

Realizar um exame honesto sobre a realidade da cultura da organização, avaliando as motivações e o compromisso com um time diversificado, é uma das recomendações da Change Philanthropy. Em seu mais recente estudo Diversity Among Philanthropic Professionals Report (em tradução direta: “Relatório de diversidade entre profissionais de filantropia”), divulgado em 2020, a organização norte-americana divulgou dados de esferas como raça, gênero, pessoas com deficiência e também orientação sexual. Entre as mais de 2.300 pessoas de 124 instituições filantrópicas respondentes, 45,3% se identificaram como não brancas e 13,5% se identificaram como pretas.

Apesar de não haver um estudo correlato no Brasil, a pauta racial é uma das mais presentes no setor. Na avaliação de Daniel Bento Teixeira, isso deixou de ser um tabu e, agora, as organizações devem evoluir do letramento para a fluência. “O debate da diversidade racial tem de migrar do plano transversal para o plano estratégico. O antirracismo está em todas as dimensões da justiça social”, diz.

Além dos números

Apesar do olhar analítico para dentro da organização ser importante,  analisar números de representatividade não é o suficiente. Este é o recado de Mafoane Odara, líder de Recursos Humanos para a América Latina da Meta. A equidade depende também da forma como são estabelecidas as relações, evitando vieses e questionando processos que podem resultar em perda de pessoas. “Quando se fala em redução da desigualdade, usando uma frase de Einstein, é preciso simplificar as coisas sem torná-las simples demais”, afirma.

Por exemplo, na organização Conectas Direitos Humanos, a luta antirracista foi incorporada como diretriz de valores institucionais, explica Camila Asano, diretora executiva. Ela conta que, quando algo tem o status de valor, cria-se a condição para exigir que todas as ações passem por ele. “A luta antirracista é valor institucional da empresa. Candidatos a vagas são especificamente questionados sobre isso, que pode ser critério de exclusão”, diz.

Diversidade como estratégia

“Contratar, para postos de liderança, pessoas que historicamente não estavam nos espaços de poder é sair da zona de conforto. As organizações não devem deixar de olhar para isso. Haverá conflitos, avanços e retrocessos. Não é linear”,  provoca Andre Degenszajn, presidente no Instituto Ibirapitanga. Ele sugere que a equidade seja vista como oportunidade de transformação para a empresa e de melhora no desempenho. Pontos de vista diferentes enxergam soluções diversas.

De acordo com a segunda edição da  Pesquisa Benchmarking: Panorama das Estratégias de Diversidade no Brasil 2022 e tendências para 2023, divulgada pela revista Exame, a pauta ganha cada vez mais relevância no mundo corporativo. O estudo aponta que 81% das empresas afirmam destinar recursos específicos para ações de diversidade e inclusão – um aumento significativo em relação a 2020, quanto o número era apenas 67%.

Nesse sentido, garantir a equidade em todos os patamares,considerando a possibilidade de serem abertos processos seletivos específicos foi outra estratégia sugerida. A própria composição da banca avaliadora, por exemplo, tem de ser diversa. “Não faz sentido ter apenas homens brancos entrevistando candidatos negros, por exemplo. Para vagas em que há negros, obrigatoriamente devem estar presentes decisores negros”, explica Camila Asano.

 

De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade. 

Se este tema te interessou, clique aqui e confira a cobertura completa do evento.

Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.

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