A resolução de problemas socioambientais só ganhará escala com a colaboração de múltiplos agentes
Os investimentos em negócios de impacto vêm ganhando mais espaço na agenda de investidores brasileiros. Segundo dados do último relatório Investimentos de Impacto no Brasil 2020, da Aspen Network of Development Entrepreneurs (ANDE), dos 47 investidores, 38 tinham ativos sob gestão mobilizados ou disponíveis para aporte em negócios diretamente conectados à agenda socioambiental, num total de R$11,5 bilhões.
“Hoje conseguimos ver mais atores, organizações, dados e pesquisas voltados a este universo de impacto. Por outro lado, o que eu vejo é um ecossistema com uma visão colonialista e hierárquica. Afinal, com quem está o poder e o controle das narrativas?”, questionou Adriana Barbosa, da PretaHub.
Ela esteve presente na mesa Colaboração no ecossistema de impacto, no segundo dia do 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades, ao lado de Andrea Azevedo, do Fundo JBS pela Amazônia, Emanuelly Oliveira, do Social Brasilis, e Guilherme Karam, da Fundação Grupo Boticário.
Em destaque:
- Os investimentos no ecossistema de impacto ainda estão concentrados em poucos players.
- A colaboração entre diferentes atores só é viável se houver negociações de agendas e prioridades.
- Os investidores precisam respeitar a autonomia e o protagonismo dos atores locais.
O Mapa 2021 de Negócios de Impacto Socioambiental que contempla mais de 1,2 mil negócios perfilados, mostra uma discrepância de acesso aos investimentos nos recortes de gênero e raça. Os negócios administrados apenas por times femininos tendem a receber menos recursos financeiros e outros apoios, quando comparados a negócios liderados apenas por times masculinos.
Elas são menos investidas (22% captaram recursos de terceiros contra 29% dos negócios liderados apenas por homens) e, por consequência, estão menos presentes entre os negócios em fase de escala (25% contra 35%). Elas também são menos aceleradas (20% conseguiam esse apoio contra 32% dos negócios liderados apenas por homens).
Da perspectiva de raça, o cenário não é diferente. Empreendedores pardos (16% da base geral) e negros (9%) registram maior dificuldade de acessar investimento (entre a base não investida, 20% são negros) e atravessar as fases iniciais da jornada (entre os negócios em fase de escala, apenas 10% têm empreendedores negros à sua frente, contra 84% de raça branca).
“Há uma concentração de recursos em poucos players. É importante falar de estruturação, governança, mas precisamos parar e repactuar para onde estamos indo se quisermos impactos reais”, provocou Adriana Barbosa, que também é conselheira do GIFE.
Colaboração para diminuir discrepâncias
“A cooperação é sistematicamente desestimulada no capitalismo. Vivemos ambientes altamente competitivos, numa sociedade que acredita na meritocracia sem considerar os diferentes contextos e oportunidades e da supervalorização da reputação individual. Portanto, colaborar nessa sociedade já é por si só disruptivo”, pontuou Andrea Azevedo, do Fundo JBS pela Amazônia. Para ela, é fundamental compreender que em qualquer território há distintas agendas: de competição, conflito e colaboração. Por isso, é preciso ter clareza do que se pretende mudar e aonde se quer chegar, tomando a colaboração como um caminho consciente.
“É preciso ceder e chegar a consentimentos. Não podemos ser puristas em nossas estratégias, por isso a adaptação das agendas se faz tão necessária”, complementou Guilherme Karam, da Fundação Grupo Boticário. A organização atua há mais de 30 anos na preservação da biodiversidade como base para o desenvolvimento socioeconômico com foco nos biomas do cerrado e mata atlântica nas regiões Sul e Sudeste do país. A estratégia é desenvolver territórios a partir do apoio a cadeias locais, atuando em rede.
Entre 2020 e 2022 a fundação beneficiou diretamente mais de 260 iniciativas, envolvendo mentorias, consultorias, ambiente para cocriação, conexão com potenciais parceiros e divulgação de boas práticas e experiências de sucesso. Dessas iniciativas, 26 soluções de destaque receberam apoio financeiro no valor total de R$ 5,4 milhões para serem executadas.
O financiamento das iniciativas se dá por meio de fundos filantrópicos colaborativos e abertos para captação conjunta, seguindo a lógica do blended finance. Somente na região da Grande Reserva Mata Atlântica estão em execução 70 projetos de apoio a empreendedores que buscam impacto positivo. Há também uma plataforma de empréstimo colaborativa e um programa de aceleração dos empreendimentos.
A atuação em rede também tem feito a diferença para a Social Brasilis, um negócio de impacto que atua no mercado das edutechs. O objetivo da organização, que atua em Fortaleza, no Ceará, é traduzir a linguagem da inovação e tecnologia para promover a inclusão produtiva das classes C, D e E.
Emanuelly Oliveira, fundadora da Social Brasilis, falou sobre a parceria com a aceleradora Somos Um na construção de um fundo colaborativo que irá captar R$ 6 milhões de reais para negócios de impacto social no Norte e Nordeste, entre elas a Social Brasilis, privilegiando lideranças pretas, femininas e periféricas.
“É preciso trazer a lógica do empreendedorismo para o terceiro setor. Mas isso não pode ser feito de cima para baixo, mas sim a partir do reconhecimento e do protagonismo das potências locais”, finalizou.
De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade.
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Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.