Os desafios da parceria público-privada na redução de desigualdades estruturais na saúde no Brasil
Como reflexo da pandemia de Covid-19, a agenda de saúde pública atingiu um patamar inédito nos últimos anos. Cobertura vacinal, segurança alimentar, primeira infância, saúde mental, doenças crônicas e envelhecimento da população são alguns dos temas que ganharam destaque e desafiam governos em suas políticas públicas. Nesse sentido, há um debate sobre o papel da contribuição efetiva do investimento social privado não apenas para garantir o acesso, mas também para a adoção de estratégias que busquem a redução das desigualdades.
Esses foram alguns dos temas da mesa Investimento Social e SUS: fortalecendo a saúde pública que aconteceu durante o 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades, mediada por Evelyn Santos, coordenadora de Projetos na Umane, Carla Reis, do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde do BNDES; Daniel Soranz, pesquisador da Fiocruz e deputado federal; Rebeca Freitas, diretora de Relações Institucionais no IEPS e Diana Anunciação Santos, socióloga e vice-presidente da Abrasco.
“A pandemia foi um momento em que vimos o quanto são importantes as instituições filantrópicas parceiras do SUS. Sem esse apoio não teríamos avançado”, disse Daniel Soranz. Na opinião dele, os recursos advindos da filantropia devem ser direcionados de modo a potencializar a melhor utilização do orçamento público. Ele cita bons exemplos de parcerias público-privadas, como o do Instituto Desiderata, dedicado ao câncer infantil, e o hospital municipal Ronaldo Gazolla, ambos no Rio de Janeiro.
Em destaque:
- A pandemia trouxe aprendizados a respeito das possibilidades entre parcerias público-privadas na saúde.
- Investimentos privados devem estar conectados a agendas estruturantes dos governos, como o combate à fome.
- As populações negra, quilombola e indígena devem receber políticas públicas de saúde específicas, uma vez que sofrem ainda mais os efeitos da desigualdade estrutural do país.
- O acesso da população à saúde digital pode proporcionar uma melhor gestão dos recursos, por parte dos órgãos públicos, mas também pode aumentar a exclusão de brasileiros menos favorecidos.
- A atenção primária na saúde deve ser o foco das iniciativas entre instituições públicas e privadas, contribuindo assim para o controle de doenças crônicas não transmissíveis.
Dedicada a estudos para a aplicação de políticas públicas de saúde, a diretora de Relações Institucionais do IEPS, Rebeca Freitas, abordou a questão do acesso à atenção primária e os efeitos da redução de investimento público nesse aspecto da saúde pública. “A atenção primária é a porta de entrada no SUS e tem sido despriorizada, tanto em termos orçamentários quanto em relação à expansão. Hoje, um a cada três brasileiros está descoberto pelas ações de saúde da família.” Quando se fala em financiamento de políticas de saúde, a palestrante citou a importância de elas estarem conectadas às agendas prioritárias do governo como, o combate à fome.
Iniciativas integradas entre governo e sociedade civil estão em curso.Um exemplo é o Juntos Pela Saúde, realizado com parceiros privados em prol das regiões Norte e Nordeste. O projeto visa arrecadar R$ 200 milhões para investimentos no sistema público de atendimento básico. A representante do Departamento do Complexo Industrial e de Serviços de Saúde do BNDES destacou que o novo momento demanda uma mudança na visão de investimento na área. “Depois da fase da pandemia, precisamos trabalhar de formas mais estruturantes, menos emergenciais, em consonância com os gestores públicos do SUS”, declarou.
Políticas para a população negra
A socióloga Diana Anunciação Santos abordou o aspecto racial que está ligado à saúde da população negra, quilombola e de povos originários. Segundo a palestrante, a maior parte do público que utiliza o SUS é a mais pobre e, por questões históricas, coincide com a população negra. “Para podermos falar em investimento social privado em saúde é preciso decolonizar ações, pensamentos e conhecimentos.”
Brasileiros negros também são os mais prejudicados quando se trata de atenção primária, o que abre caminho para a evolução de doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão e carcinomas de mama e ovários, entre muitas outras. Os números referentes à saúde mental de pessoas pretas são outro indicador: 6 a cada 10 casos de suicídio entre jovens são de pessoas negras.
“A população negra é a que mais morreu na pandemia ou a que mais perdeu pessoas. Dados mostram que o fortalecimento da atenção primária passa por desconstruir os sistemas de desigualdade. O investimento social privado poderia contribuir com isso”, afirmou Diana Anunciação Santos. Ao falar sobre a importância da criação de políticas públicas específicas para a população negra, Diana aborda questões como o combate à práticas racistas por parte de profissionais de saúde.
Saúde digital: avanços e o risco de mais exclusão
Ainda durante o debate, foi trazida a temática da transformação digital na saúde e sistema público. Por um lado, oportunidades se abrem para a geração de valor e melhoria na gestão da saúde. Ao mesmo tempo, mecanismos históricos de exclusão social podem ser reforçados. É o ponto levantado por Diana Anunciação Santos. “Os mais pobres e os negros saem perdendo. O Brasil precisa de esforços na universalização do acesso para pessoas que nunca estiveram na agenda. Esse movimento tem de ser inclusivo.”
O pesquisador e deputado federal Daniel Soranz concorda que, no que diz respeito à telemedicina, os cidadãos que mais necessitam provavelmente são os que menos terão acesso. Mas faz um contraponto em relação ao avanço que prontuários eletrônicos e bons sistemas de monitoramento de pacientes em relação ao uso de medicamentos, por exemplo, podem trazer na promoção de saúde da população.
A economista Carla Reis apontou que a digitalização é um tema amplo, com muitos aspectos positivos, como o acesso de pacientes a especialistas em locais onde há pouca assistência. Ela citou também pontos que envolvem infraestrutura e que impactam diretamente o setor. Em 2022, o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações recebeu R$ 796,7 mi do BNDES em investimentos para fomento da banda larga.
A mediadora Evelyn Santos, coordenadora de Projetos na Umane, sintetizou pontos que merecem atenção quando se fala em investimento social privado no SUS. “Precisamos convidar os detentores de recursos financeiros para investir no setor público, reduzindo o gap que já existe. A pandemia proporcionou uma virada de chave a respeito disso”, disse.
De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade.
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Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.