Não existe acesso a direitos fundamentais sem recorte de raça, gênero e socioambiental

Interseccionalidade tem papel fundamental na construção da equidade e da democracia

As desigualdades são várias, e funcionam muitas vezes de forma interconectada. Por exemplo, desastres naturais costumam ter efeitos catastróficos que recaem majoritariamente sobre famílias mais pobres, que estatisticamente são de maioria negra, e geralmente lideradas por mulheres. Este foi o debate central da mesa Democracia e Interseccionalidades de gênero, raça e clima, durante o segundo dia do 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdade.

Participaram da mesa Amalia Fischer, diretora geral no ELAS+ Doar para Transformar; Fernanda Lopes, diretora de programa do Fundo Baobá para Equidade Racial; Lam Matos, coordenador nacional do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades; e Vanessa Purper, coordenadora no Fundo Casa Socioambiental. O debate foi mediado pela coordenadora do departamento de mulheres indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Dadá Baniwa que trouxe a premissa: “Nossos conhecimentos se somam”.

Em destaque:

  • A democracia plena depende de um recorte interseccional na alocação de recursos do investimento social
  • Quando uma parcela da população tem dificuldade no acesso a direitos, os efeitos são sentidos em toda a sociedade
  • O investimento social privado pode se aliar às organizações de base na construção de soluções efetivas para as populações mais vulneráveis

Desigualdades, no plural

O conceito de interseccionalidade – amplamente divulgado pelo movimento feminista nos últimos anos – parte do princípio que as desigualdades afetam cada parcela da população de uma forma diferente. Como exemplificou Vanessa Purper, os efeitos das fortes chuvas que atingiram o litoral de São Paulo afetaram as famílias em escalas bem distintas: enquanto pessoas ricas conseguiram pagar por helicópteros para fugir das áreas alagadas, a população mais pobre perdeu moradia e familiares, vivendo  dias sem acesso à energia elétrica, comida e água.

Ainda segundo Vanessa Purper, quando este recorte é feito para populações que vivem na floresta, a crise climática afeta diretamente seus modos tradicionais de vida e subsistência. Para povos indígenas, ou entre famílias de pequenos agricultores, as mudanças climáticas podem significar a seca de um rio que fornece alimento para toda a comunidade.

Estas disparidades deixam as mulheres no centro da desigualdade socioambiental e é para este recorte que o investimento social precisa ser direcionado, defendeu Amália Fischer. Ela reafirmou que ainda existe um longo caminho a ser percorrido no setor para atingir a equidade de gênero: “Nos primeiros três meses de 2023, a violência contra mulheres aumentou em 155% no Brasil. Somos o quinto país do mundo em feminicídio. É importante mostrar esses dados para as instituições que pensam já terem feito de tudo pela equidade de gênero e racial. Querem deixar que organizações caminhem sozinhas, mas esta é uma irresponsabilidade que já fizeram nos anos 90”.

Interseccionalidade como ator central pela democracia

É imprescindível incorporar diferentes recortes, seja na busca por uma democracia plena, na construção da agenda de políticas públicas, ou na tomada de decisões pela promoção da justiça social. Segundo Fernanda Lopes,  “as pessoas e seus direitos  são interdependentes, indivisíveis e inegociáveis”.

Ela trouxe um dado alarmante: mulheres de 25 a 34 anos têm 25% mais chances de viver em extrema pobreza que os homens. Sobre este cenário, é imprescindível que a construção de equidade envolva todos os  atores.

 “A democracia está em crise e a autocracia afetou a todos nós. Mas o que acontece aqui também ocorreu em outros países da América Latina e da Europa. Precisamos ficar atentos ao neofaciscmo no mundo, pois ele nunca morreu. E precisamos olhar a história, pois somos produtos da colonização”, complementou Amalia Fischer. 

“E as identidades transmasculinas?”

No campo da interseccionalidade, a situação dos homens trans está entre as mais delicadas, explica Lam Matos, coordenador nacional do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades. Ele conta que ainda existe uma dificuldade das organizações existentes terem acesso aos editais e a fundos de investimentos filantrópicos para essa parcela da população. E alerta que a falta de acesso a plenos direitos de saúde por parte dos homens trans pode gerar impacto em diversos setores da sociedade.

“Já se perguntaram quantas seringas uma pessoa trans usa durante seu processo de tratamento, e no impacto ambiental que isso causa?”,  questionou, contando que  as terapias mais baratas envolvem uma aplicação a cada 21 dias. “Eu uso quatro seringas por ano, com um remédio mais caro, e que causa menos efeitos colaterais para minha saúde”, comparou. Além do resíduo descartado, o tratamento  implica na utilização de  meios de transporte, com emissão de gases.

Ação conjunta entre investimento privado e conhecimento tradicional

Trazer a interseccionalidade para a filantropia requer disposição. Neste sentido, Vanessa Purper citou o trabalho da Aliança GAGGA (Global Alliance for Green and Gender Action),  que mobiliza movimentos de  justiça ambiental e climática no mundo, da qual o Fundo Casa Socioambiental faz parte. “Quanto mais dinheiro de recursos chegar às lideranças e a quem está fazendo incidências de políticas públicas, melhor”, concluiu.

Ela contou que, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) a participação feminina na agricultura familiar chegou a 80%. Apesar disso, as mulheres  detém menos de 10% das terras onde vivem e cultivam.  A fim de criar e fomentar iniciativas efetivas para estes problemas, Vanessa Purper defendeu ser necessário dialogar e, acima de tudo, financiar as organizações de base, que têm conhecimento profundo e vivência em cada um destes temas.

Seu comentário foi endossado por Fernanda Lopes, que reforçou: “É de nossa responsabilidade construir espaços e estratégias, fortalecer e adaptar as tecnologias que já existem para combater a crise climática”. E reforçou a urgência: “As medidas precisam ser responsivas”.

 

De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade. 

Se este tema te interessou, clique aqui e confira a cobertura completa do evento.

Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.

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