Combate à desinformação passa por rever relação do espaço público e o ambiente digital

Além da regulação das plataformas digitais, a produção jornalística precisa ser plural, defendem especialistas.

Impactada pelo advento da internet e pelo crescimento das plataformas digitais, a esfera pública não é mais a mesma que a de duas décadas atrás. A circulação de informações falsas e de discursos de ódio criaram um efeito corrosivo na democracia e podem ser fatais quando se fala em decisões políticas. Contornar esse cenário exige envolvimento de diversos atores, mas principalmente envolve o papel que as plataformas digitais e o seu funcionamento ocupam no debate público.

Na mesa “Produção de informação e desinformação num país polarizado”, no 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades, atores sociais e políticos debateram as causas e as consequências de um debate público mediado cada vez menos por meios tradicionais como a imprensa. Efeitos colaterais dessa configuração, como a difusão maior de notícias falsas, tiveram um forte impacto em processos eleitorais ocorridos nos últimos anos ao redor do mundo. Participaram do debate André Dias, diretor de relações institucionais e projetos Especiais da Rede Globo; Fernanda Martins, diretora do InternetLab; João Brant, secretário de Políticas Digitais na SECOM/Presidência da República; e Vinicius Martins, Cofundador e gerente audiovisual da Alma Preta Jornalismo, com moderação de Rafael Georges, representante da Luminate no Brasil.

André Dias chamou a atenção para o papel das grandes empresas de tecnologia em relação ao conteúdo que distribuem. “Por que as big techs não querem ter responsabilidade sobre o que foi publicado? Vamos criar mecanismos de controle. Aquele conteúdo falso vai repercutindo e é rentabilizado”, questionou.

Em destaque:

  • Chegada da internet e concentração das plataformas digitais alterou a configuração da esfera pública.
  • Uma sociedade bem informada é um dos pilares da democracia; por isso o jornalismo ganha importância.
  • No Brasil, a confiança nos veículos jornalísticos caiu e as mídias sociais digitais se tornam cada vez mais fontes de informação.
  • Além da regulação das plataformas digitais, a produção jornalística precisa ser plural.

Entre comunicólogos, há um consenso de que uma sociedade bem informada, com verdade e isenção, é um dos pilares da democracia. É aí que o jornalismo de qualidade ganha importância como mediador das questões do debate público, característica que se manteve praticamente inabalada até o final do século passado. A chegada da internet, no entanto, colocou em xeque a forma como se consome informação e a credibilidade jornalística.

No Brasil e em outros países, a confiança nos veículos jornalísticos caiu. O Relatório de Notícias Digitais de 2022, elaborado pelo Reuters Institute, constatou que 48% das pessoas confia nesses meios de comunicação no Brasil. Para se ter uma ideia, essa porcentagem já chegou a 62% no ano de 2015. O estudo também mostrou que, enquanto meios tradicionais, como TV e impresso, perderam espaço como fontes de informação, as mídias sociais digitais cresceram: de 47% em 2013 para 64% em 2022.

Vinícius Martins, cofundador e gerente do Alma Preta Jornalismo, lembrou que a desinformação não é novidade no mundo, mas ela ganhou uma potência maior com a internet, dada a facilidade e rapidez presentes no compartilhamento de informações. Com isso, o processo de se informar corretamente ganhou novos desafios. “A internet coloca uma questão primordial: quem pode opinar sobre as regras que estão ali?”. As regras, no caso, são definidas principalmente pelas plataformas digitais, cujo poder inclui controlar o tipo de conteúdo ao qual as pessoas têm acesso.

O problema é que os critérios para a definição do que circula nem sempre são a relevância nem a veracidade dessas informações. “Vivemos uma mudança significativa no campo informacional. Deixamos que o modelo de negócio das plataformas digitais baseado em engajamento a qualquer custo organizasse a esfera pública”, afirmou João Brant, secretário de Políticas Digitais na Secom da Presidência da República, sugerindo que, em busca de massificar a audiência, as plataformas priorizam conteúdos virais.

Um exemplo de problemas que podem vir disso veio recentemente, quando o Twitter disse ao Ministério da Justiça que imagens de violência não violam as suas políticas. Hoje, o governo federal se mobiliza para buscar uma maior responsabilização das corporações que controlam as plataformas digitais sobre os conteúdos que por lá circulam. Junto ao Congresso, por onde circula a chamada PL (Projeto de Lei) das Fake News, a ideia é atuar na prevenção de problemas como a desinformação a partir do enquadramento das plataformas digitais.

Em um momento de transições sociais de impacto provocadas pela tecnologia, a relevância que o campo da comunicação tem na democracia e na sociedade como um todo precisa ser enfatizada. E para que sua atuação faça jus a essa responsabilidade, é preciso ir além de soluções que busquem o enquadramento das plataformas e de seus interesses comerciais.

Vinícius Martins lembra que, nesse sentido, é preciso buscar um ambiente plural. Uma imprensa, por exemplo, que paute o debate público com questões étnicas, raciais e ambientais faz com que o jornalismo desempenhe melhor o seu papel social. “É importante uma discussão ampla sobre quem tem legitimidade de produzir informação”, disse.

É consenso entre os participantes da mesa que, nesse campo, tanto o poder público quanto o setor filantrópico podem atuar, garantindo mais diversidade na própria forma como os meios de comunicação se constituem. Diante da crise no modelo de negócios da imprensa, provocado, entre outros fatores, pela massificação de conteúdo trazida pela internet, o investimento social podem contribuir para um jornalismo independente e sustentável, com a pluralidade como pilar.

 

De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade. 

Se este tema te interessou, clique aqui e confira a cobertura completa do evento.

Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.

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