Financiamento privado exige mais clareza de causas e apoio a projetos que promovam a transformação na base social
Diante de crises de ordem econômica, social e ambiental, a filantropia pode – e precisa – fazer mais. Ter uma filantropia voltada ao combate de problemas sistêmicos e estruturais, e não somente a questões pontuais, é uma das alternativas que se apresenta principalmente para regiões desiguais, como é a América Latina.
Na mesa “Filantropia na América Latina: desafios desde o sul global”, que marcou o 12º Congresso GIFE , os palestrantes fizeram um diagnóstico de como a filantropia pode se reinventar e ajudar mais no combate às desigualdades e a problemas estruturais da sociedade. Também foram apresentadas formas de lidar com os novos desafios por meio do investimento social.
“O setor da filantropia deve ser disruptivo. Devemos nos entender como atores políticos e pensar nas causas que vamos defender”, afirmou Gracia Goya, vice-presidente na Hispanics in Philanthropy. Para ela, além dos fundos de financiamento, característicos de uma filantropia mais tradicional, os novos desafios exigem a transferência de poder a organizações da sociedade civil.
Em destaque:
- Filantropia que traz ações disruptivas e que foquem no longo prazo é alternativa para problemas estruturais.
- O 12º Congresso Gife discutiu como a filantropia pode se reinventar e responder à altura da “policrise”.
- Venture Philanthropy é um conceito de filantropia que prioriza o impacto social e ambiental no longo prazo sobre o retorno financeiro. Ele busca uma sustentabilidade financeira ao mesmo tempo em que mira em mudanças sistêmicas.
- Modelo tradicional de filantropia precisa ser revisto; mundo atual exige ações que busquem impacto social.
- Menos de 2% dos recursos globais de filantropia são direcionados para temas de clima. Dado mostra como a filantropia precisa estar mais atenta a desafios sistêmicos da atualidade.
A Philanthropy Venture
Essa visão está em sintonia com as tendências globais do setor filantrópico. Recentemente, a LatiImpacto, comunidade de provedores de capital, lançou um relatório que traz o conceito de Venture Philanthropy. Trata-se de um modelo de filantropia que prioriza o impacto social e ambiental no longo prazo sobre o retorno financeiro. Ele busca uma sustentabilidade financeira ao mesmo tempo em que mira em mudanças sistêmicas.
Preocupações desse tipo mostram-se importantes em contextos como o do Brasil, que tem dezenas de milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e que viu o número de pessoas em insegurança alimentar aumentar durante a pandemia. O cenário se soma a problemas globais como o da emergência climática. “Temos problemas grandes como sociedade. Há uma policrise com ameaças existenciais. Precisamos olhar a filantropia com uma nova lente”, disse Benjamin Bellamy, diretor executivo da WINGS.
Com o foco no longo prazo, a BrazilFoundation, por exemplo, passou a priorizar investimentos de dois a cinco anos, ao invés daqueles mais pontuais, segundo relatou a sua vice-presidente de relações institucionais, Mônica de Roure. Para ela, enquanto o modelo filantrópico mais tradicional buscava resultados metrificados e muitas vezes financeiros, a “nova filantropia” deve ir além e priorizar aquilo que ela chamou de impacto social.
É por isso que as características da Venture Philanthropy passam por ter uma tolerância maior a assumir riscos na busca de soluções inovadoras para problemas socioambientais. Escutando as demandas da sociedade civil e trabalhando em conjunto com as suas organizações, os investimentos em iniciativas pontuais devem dar espaço para um combate mais estrutural dos problemas da atualidade.
A nova filantropia no Brasil e na América Latina
Apesar dos desafios, o Brasil tem um histórico de filantropia bem estabelecido. Mas ainda há espaço para crescimento, afinal, há uma lacuna relevante para investimentos entre 250 mil e 1 milhão de dólares de maior risco, segundo estudo da ANDE (Aspen Network of Development Entrepreneurs). O acesso ao investimento ainda é o maior desafio para os negócios.
A expansão da filantropia pode ser encarada em um contexto internacional. Cassio França, secretário-geral do GIFE, defende uma integração maior desse setor dentro da América Latina. Mesmo a região tendo as suas especificidades culturais, ela ainda encontra infelizes coincidências como a desigualdade e recentes ameaças às suas democracias. Incorporar a defesa da democracia, inclusive, é um dos caminhos apontados por nomes como Rafael Poço, diretor-executivo do Instituto Galo da Manhã e idealizador do Despolarize.
Para Javier García Moritán, diretor executivo no Grupo de Fundações e Empresas (GDFE), além das ameaças à democracia, outro obstáculo para a proliferação de um ambiente mais colaborativo são as divisões sociais. Em um contexto polarizado dominado pela individualidade, ele acredita que ações filantrópicas encontram um entrave. “Não há renda sem sustentabilidade. Precisamos contribuir com o bem comum”.
Problemas complexos como os da atualidade exigem esforço e colaboração na busca por soluções. María Alejandra Ronderos, gerente de alianças e relacionamento na AFE Colombia, defende que ações filantrópicas contem com articulações com o governo, com organizações sociais e com governanças corporativas.
Menos de 2% dos recursos globais de filantropia são direcionados para temas de clima. Dados como esse mostram o espaço que a filantropia tem na atualidade, principalmente na busca por soluções sistêmicas. “Os doadores têm que ouvir o que quem atua na base tem como propostas e fortalecê-los”, diz Mônica de Roure.
De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade.
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Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.