Investimento social privado precisa dar mais atenção às relações trabalhistas, considerando fatores como racismo, falta de diversidade nas organizações e a crise climática
Não há inclusão produtiva sem a promoção do trabalho digno. No Brasil, cerca de 40% dos trabalhadores estão na informalidade. E qual é o papel do investimento social privado e da filantropia no campo da inserção produtiva? Parte importante desse esforço tem de passar pela melhoria nas relações e condições de trabalho.
O painel ‘Inclusão produtiva e promoção de trabalho digno’, apresentado no 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades, se debruçou sobre o desafio da filantropia em contribuir para que as garantias de direitos trabalhistas cheguem até quem precisa. Participaram do debate Ana Valéria Araújo, superintendente no Fundo Brasil de Direitos Humanos; Maitê Lourenço, fundadora da BlackRocks; Nadja Brandão, diretora executiva na {reprograma} e Rafael Gioielli, gerente geral no Instituto Votorantim; com a moderação de Vivianne Naigeborin, superintendente na Fundação Arymax.
Em destaque:
- Não existe inclusão produtiva sem direitos trabalhistas.
- A crise climática é um desafio e uma oportunidade para a geração de trabalho digno.
- Inovação é ter intencionalidade legítima na promoção da diversidade dentro das empresas.
Inclusão produtiva é a inserção de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica no mercado de trabalho, de modo que sejam capazes de gerar sua própria renda de forma digna e estável, superando processos históricos de exclusão social. Há diversos caminhos que podem servir para superar os desafios da inclusão produtiva. Entretanto, para se obter uma solução positiva é preciso pensar em quais são as barreiras que impedem as pessoas de se inserirem no mercado.
Para Maitê Lourenço, “cada vez mais nós usamos termos para evitar falar do que acontece de fato. A ausência de inclusão produtiva é racismo.” Olhar para a realidade do trabalho no Brasil hoje, é enxergar que, cada vez mais, a quantidade de pessoas na informalidade é um retrato da falência das políticas de geração de trabalho digno. “O Brasil tem uma história de exclusão sistemática de muitos grupos, que passa pela escravidão e continua no período pós industrialização, valorizando mais a produtividade do que as pessoas”, completou Vivianne Naigeborin.
Uma pesquisa da CUT-OIT, realizada por pesquisadores do Instituto Observatório Social, da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), apontou que a renda média de trabalhadores para plataformas de aplicativos de entrega é de R$ 5,03 por hora trabalhada – muito longe de uma remuneração considerada digna. Nesse cenário, há ainda um discurso de modernização das relações de trabalho que propõe uma narrativa de que os direitos trabalhistas são impeditivos do desenvolvimento. Na verdade, a Reforma Trabalhista brasileira – alinhada a essa narrativa – precarizou o trabalho e aumentou o desemprego, segundo estudo da USP (Universidade de São Paulo).
A função do investimento social privado e da filantropia, nesse contexto, é construir soluções com o protagonismo justamente de quem precisa da inclusão produtiva. “O ISP (investimento social privado) deve apoiar a produção de evidências científicas para a construção de políticas públicas que empoderem os trabalhadores para que eles digam o que deve ser feito”, explicou Ana Valéria Araújo.
Outro recorte que merece destaque é a crise climática. A Unesco estima que mais de 1,4 bilhão de empregos, ou 42% do total da força de trabalho mundial, são altamente dependentes dos recursos naturais. Um colapso do sistema climático pode desencadear desemprego em massa. Por outro lado, as novas tecnologias de baixo carbono e a economia regenerativa – que busca regenerar o planeta – poderão gerar empregos relacionados a fontes renováveis de energia, como a produção de energia eólica e solar, por exemplo.
Para Rafael Gioielli, gerente geral no Instituto Votorantim, é preciso que exista intencionalidade no campo do investimento social privado para lidar com a crise climática. Fazer justiça social é fazer justiça climática, ou seja, acabar com as desigualdades passa por olhar para quem mais sofre as consequências do aquecimento global: “Precisamos aproveitar os ativos naturais para fazer valer a relevância global que o Brasil tem para o futuro do planeta.”
O papel da filantropia, nesse cenário, é apoiar o trabalho de organizações que estão na luta por direitos trabalhistas. A periferia precisa estar no centro das tomadas de decisões para que exista a distribuição dos recursos e a inclusão produtiva de fato. Um exemplo é o crescente movimento para a formalização da atividade de entregadores de aplicativos, que está tomando corpo em todo o país.
“A gente tem que se matar muito mais para chegar aos mesmos lugares que outras pessoas chegam com naturalidade”, explicou Nadja Brandão, diretora executiva na {reprograma}. “Não se trata de baixar a régua, é sobre empoderar e formar pessoas diversas. Só recurso financeiro não adianta se não tivermos uma visão mais ampla de que falta acolhimento dessas pessoas no mercado”, concluiu.
De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade.
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Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.