Anielle Franco: “A política que tem que mudar para nos receber”

Ministra da Igualdade Racial destaca papel movimento negro para construção de políticas públicas  para a  equidade racial

Abrindo o segundo dia do 12º Congresso  GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, apresentou dados alarmantes. Na plenária “O Investimento Social está pronto para promover equidade racial?”, ela mostrou que 80% das organizações da periferia são lideradas por pessoas negras e que, destes, 50% trabalham com o orçamento de apenas R$5 mil ao ano

Em sua fala, Anielle Franco deixou uma mensagem direta sobre o papel do Investimento Social Privado (ISP) no combate ao  racismo:  “Se não tiver um combinado de políticas públicas eficazes e a garantia que sociedade civil abra as portas para organizações da periferia, o Brasil não consegue avançar nessas questões. Quanto mais conseguirmos compartilhar e garantir acessos, mais o país tem possibilidade de prosperar.”

A plenária foi mediada por Paula Miraglia, diretora Geral do Nexo Jornal, e além da ministra Anielle Franco também estavam presentes os palestrantes Douglas Belchior, fundador da Uneafro; Ricardo Henriques, superintendente Executivo no Instituto Unibanco; e Giovanni Harvey, diretor executivo no Fundo Baobá para a Equidade Racial.

Em destaque:

  • Organizações que lutam pelo antirracismo encontram barreiras estruturais  no acesso a recursos
  • Políticas públicas de inclusão racial geram impactos positivos no acesso a recursos e espaços de poder para combate às desigualdades
  • O investimento privado pode apoiar a produção de políticas públicas efetivas para mudar as estruturas da desigualdade racial

 

A necessidade de se construir uma filantropia antirracista – e de fazer isso de dentro para fora – esteve presente em todas as falas. “Não há possibilidade de superação das desigualdades sem superar o racismo”, afirmou Paula Miraglia.

Já Giovanni Harvey destacou que “50% das instituições que recebem recursos do Fundo Baobá estão recebendo recursos de filantropia pela primeira vez”. Os dados do Censo GIFE 2020 estão de acordo com a afirmação dele. O levantamento mostrou que 55% dos conselhos deliberativos são compostos exclusivamente por pessoas brancas. Essa estrutura, ressaltou Giovanni Harvey, impede que investimento privado tenha critérios transparentes em relação à alocação de recursos.

Acesso à educação aumenta o potencial de captação

A falta de recursos tem origem em outro processo excludente: o de acesso à educação formal e à qualificação profissional. Por isso, as ações afirmativas e políticas de inclusão sociorraciais assumem um papel tão importante frente ao combate às desigualdades. A política de cotas é um exemplo de política pública que, a médio prazo, permitiu a mobilidade social de uma parcela da população que sempre teve acesso negado aos espaços de poder.

O ensino de inglês e de outros idiomas também faz parte desta dinâmica. E impacta diretamente o acesso a recursos para organizações lideradas por pessoas negras. Anielle Franco explica: “Apenas entre 5% e 10% das pessoas negras no Brasil falam outras línguas. Quando estive à frente do Instituto Marielle Franco, para ter acesso a gratificação de organizações, a maioria dos formulários eram em inglês. Eu sei que eu era exceção.”

Recentemente, Anielle Franco liderou um movimento no Governo Federal que levou à assinatura de um decreto que garante até 30% de vagas para pessoas negras em cargos de comissão e funções de confiança na estrutura do Poder Executivo. “Quando apresentei o projeto para o Presidente, falamos que não haveria gasto político, mas seria um ganho social imensurável. Conseguimos implementar uma esplanada com pessoas negras em cargos superiores para mostrar que somos muito capacitados para estar em todos os cargos e lugares”. E concluiu: “A política diz que a gente precisa mudar para caber dentro dela. Mas eu tenho tentado mostrar todos os dias que a política que tem que mudar para nos receber”.

“Quanto o ISP pode investir no movimento negro?”

Historicamente, o movimento negro esteve à frente na luta por direitos humanos e pautou mudanças estruturais na sociedade. No entanto, a falta de recursos para iniciativas que têm o combate ao racismo como principal pauta dificultou a construção de criação de políticas efetivas para o combate à desigualdade racial.

Durante a pandemia, organizações lideradas por pessoas negras mostraram, mais uma vez, a capacidade de organização na luta pela garantia de sobrevivência para a parcela mais vulnerável da população. Este movimento atraiu a captação de recursos dos investidores e demonstrou a importância do movimento para a manutenção da democracia. Diante da importância dada ao cenário, surge outra inquietação: como fazer com que a luta contra o racismo não seja uma pauta passageira para as instituições filantrópicas?

O surgimento do movimento “Black Lives Matter” nos EUA levou a filantropia americana a fazer mais investimentos no movimento negro e na agenda racial. Douglas Belchior, fundador da Uneafro, contou que, em contato com representantes destas organizações americanas, foi notável a preocupação. “A impressão que ficou foi de que a ‘onda está passando’. Eles já não recebem mais tantos recursos e a agenda não é mais tão forte quanto há quatro  anos”, relatou, durante a plenária. E deixou a provocação para os presentes: “Aqui no Brasil também estamos vivendo uma onda, ou este tipo de investimento veio para ficar? O quanto a gente pode pensar na agenda a longo prazo? E quanto o ISP pode investir no movimento negro?”

Virando o jogo

Esta preocupação é legítima. Mesmo com o espaço conquistado na última década, o antirracismo ainda não é prioridade na alocação de recursos do investimento social privado. Dados do Censo GIFE 2020 mostram que apenas 5% dos recursos são destinados para iniciativas que trabalham diretamente com a pauta racial. É preciso enfrentar o racismo dentro das instituições que fazem parte do ISP para produzir ações efetivas contra as desigualdades raciais na sociedade. 

A boa notícia é que o ISP e a filantropia  atuam diretamente no setor que é capaz de promover essas transformações. No entanto, para pautar mudanças que sejam efetivas  de fato, ainda é necessário um letramento sociorracial. Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, reconheceu este desafio: “É evidente que temos trabalhado a pauta da desigualdade racial com mais intensidade nos últimos anos, mas o desafio do investimento social privado é que o Brasil ainda não se conhece. O Brasil está de costas para si mesmo e, sem dúvidas, para o racismo”.

 

De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade. 

Se este tema te interessou, clique aqui e confira a cobertura completa do evento.

Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.

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