Educação para a emergência climática precisa ouvir povos indígenas, quilombolas e periféricos

Desafios regulatórios

Para ser efetiva, a formação socioambiental precisa refletir a realidade das populações mais vulneráveis e das comunidades tradicionais

Era notável o silêncio no auditório Simón Bolívar, no Memorial da América Latina (lotado, diga-se) quando todos os presentes pararam para ouvir a liderança do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, Txai Suruí. Na plenária “Educação para a emergência climática: formando cidadãos para o desenvolvimento sustentável”, que encerrou as atividades do 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdade – ela se levantou e, batendo o pé no chão de forma lenta e ritmada, começou sua participação no evento entoando um canto tradicional que aprendeu com o avô.

“O problema é que o branco tem dificuldade de ouvir e perdeu a capacidade de sonhar”, disse Txai Suruí após a canção. Ao seu lado estava Thuane Nascimento (Thux), diretora executiva no PerifaConnection, que já tinha deixado a plateia perplexa  com uma fala direta: “Precisamos aniquilar os discursos de meio ambiente a partir da branquitude. Isso é desafiar as estruturas de desigualdades.”

Em destaque:

  • Educação ambiental precisa refletir a realidade cada população para ser efetiva
  • A construção do futuro com justiça socioambiental deve ser ancestral e ouvir populações que vivem a realidade mais dos efeitos climáticos
  • A filantropia, junto ao poder público e organizações da sociedade civil, deve atuar como ponte entre pessoas que estão na base e o poder público que pode construir políticas públicas efetivas
 

A plenária foi um encontro de vidas e experiências originadas em diferentes povos, lugares e gerações. Também participaram da conversa Alessandro Molon, advogado e professor de Direito na PUC-Rio; Rebeca Otero, coordenadora do setor de educação na Unesco; e Mirela Sandrini, diretora regional na Porticus, que ficou responsável pela mediação.

“Qual o seu sonho?”, perguntou Mirela Sandrini para cada um dos palestrantes. “Há vários sonhos, mas precisamos sonhar nosso planeta, sonhar o que é bom para todos. E que a educação possa transformar as pessoas e ajudar a transformar nosso planeta e nossas vidas para melhor”, respondeu Rebeca Otero.

Educação conectada à realidade

“A quem interessa educar sobre meio ambiente e clima sem a imagem do ser humano?”, questionou Thux. A implantação de uma educação ambiental efetiva encontra desafios de ordem prática no Brasil e no mundo.

Um processo educacional sobre a sustentabilidade é responsável pelo letramento e engajamento de cidadãos. No entanto, mesmo com a existência da Lei da Educação Ambiental em atividade há mais de 20 anos, sua implementação ainda não acontece de forma ampla e efetiva no currículo. Sobre isso, Mirela Sandrini provocou os participantes: “Apesar dos progressos, ainda existe uma desconexão das dinâmicas de conexão com a natureza com a forma com que as organização existem. Isso faz com que a escola não faça tanto sentido para populações mais afetadas e aquelas imersas nas florestas.”

Com um currículo que não contempla a realidade da maior parte da população, as pessoas mais afetadas por efeitos climáticos extremos são excluídas de uma formação efetiva. Thux ressaltou que, como parte de uma comunidade periférica, não enxergava a floresta como uma realidade do seu dia a dia: “A lógica do racismo sob viés da educação é cruel porque é viver numa realidade e ser educado sobre outra. É cruel falar de mudanças climáticas a partir do norte global, porque é um lugar que nós não conhecemos.”

O básico da educação

Antes mesmo de falar sobre educação socioambiental, se fez necessário falar sobre o que é considerado básico para se ter uma boa estrutura escolar. Dados apresentados por Rebeca Otero trouxeram luz à realidade da educação brasileira: são 11 milhões de analfabetos. Três a cada dez pessoas acima de 15 anos são analfabetos funcionais.

Além disso, o país tem um milhão de crianças e jovens fora da escola. Ela apontou o financiamento como um dos principais gargalos: “Hoje, 70% dos países alocam menos de 4% do PIB para educação. E são países que ainda precisam estruturar o sistema educacional. Mas mesmo em lugares com mais investimento enfrentam estes mesmos problemas.”

Outras fontes de conhecimento

Para construir uma educação socioambiental de qualidade, é preciso ir além do currículo formal e buscar nos territórios os conhecimentos ancestrais. “Olham para gente num lugar de pobreza e falta de inteligência e não conseguem ouvir nossa sabedoria”, afirmou Txai Suruí. “Quando falamos de educação, se imagina que a gente recebe uma educação diferente nas nossas culturas. É uma forma de ensinar e aprender diferente do que a imposta na cidade. Utilizamos nossa sabedoria ancestral como transformação.”

Ela chamou atenção para a necessidade de se ouvir a floresta, com o entendimento de que diferentes biomas – como Amazônia e Mata Atlântica – são interdependentes. E citou o relatório da ONU “Povos indígenas e comunidades tradicionais e a governança florestal”, publicado em 2021. Com base em uma revisão de mais de 300 estudos publicados nas últimas duas décadas, o documento revelou que os povos indígenas e comunidades tradicionais em geral têm sido melhores guardiões de suas florestas em comparação com os responsáveis pelas demais florestas da região.

Txai Suruí também pediu que professores e demais profissionais de educação entendam que diferentes culturas possuem diferentes processos de ensino. “As pessoas me pedem para traduzir muito as coisas, dizer como se fala as palavras da minha língua. Mas tem coisas que não têm tradução. Vocês precisariam reaprender os conceitos”, disse. E explicou que, para os povos indígenas, o conceito de progresso não é acompanhado de destruição, mas sim de vida.

Possibilidades de futuro

A criação de um novo modelo de desenvolvimento para o país foi a preocupação central de Alessandro Molon. “Somos um país em busca de um projeto. O Brasil ainda não decidiu o que quer ser”, afirmou, concluindo que “a filantropia pode ajudar a formular modelos e recuperar a capacidade brasileira de criar projetos”. 

Ele lembrou que o Brasil enfrenta o desafio de reestruturar os desmontes dos últimos anos. E afirmou que ainda é preciso ir além: “Especialistas apontaram que fazer transição verde gera mais e melhores empregos do que investir o mesmo valor no modelo que já temos.”

De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade.  Se este tema te interessou, clique aqui e confira a cobertura completa do evento.

Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.

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