Durante plenária do Congresso GIFE, palestrantes afirmam que Sociedade Civil não pode ficar neutra diante de movimentos autocráticos
As instituições brasileiras foram duramente testadas nos últimos anos e cabe à sociedade civil agir para o seu fortalecimento. Mas isso só será possível com o combate às desigualdades estruturais do país. É com esta perspectiva que foi realizada a plenária “Democracia em risco e o papel da Sociedade Civil”, do 12° Congresso GIFE – Desafiando as Estruturas de Desigualdade, evento realizado do dia 12 a 14 de abril na cidade de São Paulo. A plenária contou com mediação do diretor da Fundação Ford no Brasil, Atila Roque, e quatro participantes: Cida Bento, Co-fundadora do CEERT; Conrado Hübner Mendes, professor de Direito da USP; Neca Setubal, presidente do Conselho Curador da Fundação Tide Setubal e Stephen Hawkins, diretor de pesquisa na More in Common.
“Discutir democracia no Brasil é sobre como a gente consegue romper com o pacto da desigualdade, da branquitude”, afirmou Átila Roque, diretor da Fundação Ford no Brasil. “Essa mesa trata de como chegamos até aqui e como daqui a gente parte no processo de reinvenção. Para ter um Brasil ancorado no processo de justiça. Hoje, quando a gente fala de democracia em risco, não são só processos institucionais”, complementou.
Para Cida Bento, a sociedade civil e suas organizações devem olhar para si mesmas, a fim de combater e não de reproduzir as desigualdades: “A pressão e o trabalho realizado pela sociedade civil é fundamental para trilharmos um caminho de equidade. Porém, as estruturas têm que ser repensadas internamente também, para que nossas organizações não sejam o reflexo do mundo em que vivemos, mas um espelho do futuro que buscamos.” E deixou um recado firme: “Cabe à população negra trazer temas que a população em geral não gosta de falar”.
Confira um resumo do que foi dito na palestra
- A sociedade civil não pode ser neutra. O investimento no combate às desigualdades deve ser intencionalmente em prol da democracia.
- A desigualdade é o oposto da democracia. Por isso, para combater essas desigualdades, as organizações da sociedade civil devem trazer equidade também para dentro de suas estruturas.
- O fortalecimento da democracia e, consequentemente, o combate às desigualdades são urgentes, e a sociedade civil tem papel fundamental nesse processo.
Democracia: um processo em disputa
O risco à democracia no Brasil se deve ao fato de que ela continua a ser um processo em disputa. De acordo com estudo do Instituto V-Dem (Varieties of Democracy), vinculado à Universidade de Gotemburgo, na Suécia, o Brasil não vai além de uma democracia eleitoral. O último relatório publicado pelo instituto sueco aponta que o país não é classificado como uma democracia liberal por haver ameaças evidentes às liberdades de expressão, imprensa, organizações da sociedade civil, às regras do jogo democrático e pesos e contrapesos entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
Tudo isso, agravado por um governo que, até 2022, foi marcado por sucessivos ataques aos ritos democráticos, ao sistema eleitoral, à imprensa livre e incentivo à propagação de fake news.
Para que isso ocorra, entretanto, é preciso construir uma democracia brasileira que seja, de fato, para todas as pessoas, e não apenas para um seleto grupo privilegiado. E isso não é pouca coisa se tratando de um um dos países mais desiguais do mundo, com uma desigualdade que é histórica e estrutural. Pesquisa realizada pelo Ipea aponta que o Brasil apresenta desigualdade total de renda de 51,5%, estando à frente de países como Estados Unidos, Alemanha e Grã-Bretanha. A população pertencente ao grupo dos 1% mais ricos possui 27% de toda a renda.
Processo histórico
De acordo com o IBGE, a população negra (pretos e pardos) representa 75% das pessoas que vivem em situação de pobreza no país, mesmo representando 54,9% da população. Segundo informações do Ministério da Saúde, duas em cada 3 mortes maternas são de mulheres negras e a mortalidade no primeiro ano de vida é 22,5% maior entre os negros. Se, de um lado, está sub-representada nos espaços de privilégio, por outro, é maioria no sistema prisional brasileiro (66,7%).
“É preciso reconhecer que somos frutos de um processo e, assim, repensarmos nossa própria linha do tempo como país. Precisamos trazer os brancos para a história e sermos explícitos sobre o papel que ocuparam no período da escravidão. E isto é ponto fundamental para perceber onde e nas mãos de quem estão alocados os recursos até hoje”, afirmou Cida Bento.
Propostas para mudanças
Ao longo de três dias, o 12º Congresso GIFE debate as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade.
Se este tema te interessou, clique aqui e confira a programação completa do evento.
Apoiada pela Fundação Bradesco, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.
Sociedade Civil no enfrentamento às desigualdades
De acordo com o Mapa das OSCs, até 2020 existiam no Brasil mais de 815 mil organizações desse tipo em funcionamento, espalhadas em todos os municípios brasileiros, de Norte a Sul. Se o Terceiro Setor não vai e nem tem a pretensão de substituir o Estado na criação e manutenção de políticas públicas, ele deve se propor a promover ações de médio e longo prazo que contribuam para diminuir as históricas desigualdades estruturais.
Fortalecer organizações da sociedade civil se torna primordial para a interrupção da dinâmica de opressões do país. Nos últimos anos, a jovem democracia brasileira foi frontalmente atacada. Disruptiva, ela continuará sendo alvo daqueles que querem manter as estruturas de exclusão. Por isso, a população e, em especial, a parcela mais privilegiada – como empresas privadas, organizações e fundações – deve lutar interna e externamente pelo rompimento destes ciclos.
O Censo GIFE 2020 mostra que o investimento social privado no país chegou a R$ 5,3 bilhões, 63% mais do que o previsto para o ano, que era de R$ 3,3 bilhões, e um salto de 71% em relação a 2019.
“Temos, neste momento, uma janela de oportunidade”, afirmou a presidente do Conselho Curador da Fundação Tide Setubal, Neca Setubal. “E nesta oportunidade não há espaço para a neutralidade dentro dessa sociedade civil ativa e que busca combater os problemas estruturais. Temos que investir de forma consciente e ativa na redução das desigualdades sociais, raciais e de gênero, na defesa de populações minorizadas e minoritárias e do meio ambiente. A nossa democracia depende disso.”
De 12 a 14 de abril de 2023, o 12º Congresso GIFE — Desafiando Estruturas de Desigualdades — debateu as formas de superar as desigualdades que atravessam a sociedade.
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Apoiada pela Fundação Bradesco, Vale, Fundação ArcelorMittal, Fundação Ford, Fundação Itaú e Porticus, a 12ª edição do Congresso GIFE – Desafiando Estruturas de Desigualdades – também celebra os 35 anos da Constituição Federal e do seu Artigo 5º, trecho que estabelece direitos fundamentais.